sábado, 26 de setembro de 2009

Versos meus II

Galáctica

A pálpebra pesada encortina um mundo só meu
É noite eterna nesse vale onde tu te insinuas
E enquanto a brisa diáfana acaricia-te a tez crua
Não desejo senão a eternidade desse gozo íntimo.

Teus passos não machucam a terra. Antes, nela
eternizam esses que ordinariamente te chamam pés.
No oásis dos fios negros que te emolduram a face
O assopro divino vem brincar e assinar sua criação.

No centro de teus olhos jaz o enigma de duas estrelas
Que faria vassalo o mais insensível e bruto dos seres
Que faria inveja à mais perfeita heroína romântica.

Vem, meu anjo! Vem te aninhar comigo neste vale.
Que durmamos o eterno e mais puro dos sonhos
E que meu amor seja o labirinto onde te perdes.
Fernando Sachetti

Quando dizer "literalmente".

Seção: Língua e Etiqueta
Certo dia, Joãozinho, aos prantos, queixou-se ao pai que lhe doía a mão. O pai, imediatamente, levou Joãozinho ao médico para que o diagnóstico pudesse ser feito. Dias depois, com a mão já curada, o mesmo garoto, que precisava concluir uma tarefa de casa, dirigiu-se novamente ao pai e lhe perguntou: Papai, o senhor pode me dar uma mão?
No parágrafo anterior, fizeram-se dois usos distintos da palavra mão. Em sua primeira aparição, mão significava parte do corpo, porção terminal do braço. Diz-se que, nesse caso, o vocábulo foi usado em seu sentido real (ou denotativo), o qual corresponde ao significado trazido pelo dicionário. Todavia, na pergunta Papai, o senhor pode me dar uma mão?, Joãozinho não esperava que seu pai se mutilasse, arrancando uma parte do corpo para satisfazer o filho. Nesse caso, portanto, mão corresponde a ajuda, o que faz com que a palavra tenha sido utilizada no sentido figurado (ou conotativo).
Tais esclarecimentos se fazem necessários à medida que solucionam um equívoco tão presente na linguagem atual. O que muito se tem praticado é o uso indiscriminado do termo literalmente. Ele parece estar sendo usado pelas falantes como uma espécie de advérbio de afirmação (à semelhança de sem dúvida, certamente, de fato, efetivamente...), o que não é verdade. Literalmente é um termo cujo uso só é legitimado quando os sentidos real e figurado estiverem simultaneamente presentes numa sentença. Analisem-se alguns exemplos práticos.
Só se pode dizer que José está literalmente careca de saber algo se José, ao mesmo tempo, preencher os sentidos real e figurado da expressão: se ele for calvo E se já souber de algo há muito tempo.
Da mesma forma, só se pode dizer que um casal literalmente lavou a roupa suja se o casal, ao mesmo tempo, preencheu os sentidos real e figurado da expressão: o casal esteve na lavanderia lavando peças de vestuário E acertou contas sobre acontecimentos passados da vida conjugal.
Como último exemplo, só se pode dizer que Mariazinha literalmente dançou no concurso se Mariazinha, ao mesmo tempo, preencheu os sentidos real e figurado da expressão: Mariazinha participou de um concurso de dança E ficou numa posição classificatória desprivilegiada.
Espera-se ter colocado, literalmente, um ponto final nas dúvidas sobre o uso de literalmente. (ponto final)
Fernando Sachetti

Canções que poucos já ouviram.

Seção: Isto é Música
Todo álbum musical possui uma ou mais músicas de trabalho. Chamam-se músicas de trabalho (em Inglês, diz-se singles) as faixas de um artista que chegam às rádios e que se tornam conhecidas pelo grande público. Não se sabe com exatidão o que as gravadoras levam em conta para fazer de uma dada canção um single. O que se observa, no entanto, é que alguns artistas possuem canções belíssimas, mas desconhecidas do público consumidor. Seguem alguns exemplos.
Ao se falar em Vanessa da Mata, logo vem à mente a canção-chiclete Boa Sorte (Good Luck), com a participação de Ben Harper. Entretanto, no álbum Sim (de 2007), a faixa Você vai me destruir é excepcional, mas só a conhece quem é fã da cantora ou quem possui o CD.
A banda Evanescence estourou com os hits Bring me to life e My immortal. Porém, o álbum Fallen (de 2003) traz ainda a ótima canção Hello, infelizmente conhecida por poucos.
Por fim, a cantora Pink tem em sua lista de singles as faixas Get the party started, Don’t let me get me e a mais recente So What. O CD Missundaztood (lançado em 2001) presenteia o ouvinte com o achado Eventually, de sonoridade e letra maravilhosas.
Confira abaixo, respectivamente, as canções Você vai me destruir (Vanessa da Mata), Hello (Evanescence) e Eventually (Pink).
texto de Fernando Sachetti






Digite a senha do seu cartão de crédito.

Seção: Clichês em discussão
Isolado em cabines individuais de banheiros públicos, quem nunca se deparou com mensagens de baixo calão oferecendo serviços sexuais, seguidas de números telefônicos? Quem se presta a escrever mensagens como essas pede para ser perturbado.
Assim como tais banheiros, a Internet também é um local público. Ainda assim, há internautas que, atestando ingenuidade, disponibilizam dados pessoais na rede. Ora, qualquer um sabe que isso não é coisa que se faça.
Basta de quebra de sigilo via Internet!
Fernando Sachetti

Um Copo de Cólera, de Raduan Nassar

Seção: Isto é Literatura
Debaixo do chuveiro eu deixava suas mãos escorregarem pelo meu corpo, e suas mãos eram inesgotáveis, e corriam perscrutadoras com muita espuma, e elas iam e vinham incansavelmente, e nossos corpos molhados vez e outra se colavam pr’elas me alcançarem as costas num abraço, e eu achava gostoso todo esse movimento dúbio e sinuoso, me provocando súbitos e recônditos solavancos, e vendo que aquelas mãos já me devassavam as regiões mais obscuras – vasculhando inclusive os fiapos que acompanham a emenda mal cosida das virilhas (...) – eu disse “me lave a cabeça, eu tenho pressa disso”, e então, me tirando do foco da ducha, suas mãos logo penetraram pelos meus cabelos, friccionando com firmeza os dedos, riscando meu couro com as unhas, me raspando a nuca dum jeito que me deixava maluco na medula, mas eu não dizia nada e só ficava sentindo a espuma crescendo fofa lá no alto até que desabasse com espalhafato pela cara, me alfinetando os olhos na descida, me fazendo esfregá-los doidamente com o nó dos dedos, (...) e não demorou ela me puxou de novo sob a ducha, e seus dedos começaram a tramar a coisa mais gostosa do mundo nos meus cabelos co’a chuva quente que caía em cima, e era então um plaft plaft de espuma grossa e atropelada, se espatifando na cerâmica co’a água que corria ruidosa para o ralo, (...) – p. 21/22.
Editora Companhia das Letras, 2002.

domingo, 20 de setembro de 2009

Palavras alheias

O excerto seguinte foi extraído de uma de minhas recentes leituras. Reproduzo-o aqui para que meu leitor tenha, também, a chance de pensar acerca das linhas do psicoterapeuta Flávio Gikovate no livro Nós, os humanos (editora MG Editores).

"(...) gostamos dos autores que pensam de modo parecido como o nosso e achamos meio idiota o texto — e seu autor — que contém opiniões divergentes. Assim, nunca aprendemos nada de novo, pois só lemos os livros com os quais concordamos e cujo conteúdo de certa forma já conhecemos; ou seja, só lemos os livros que não precisamos ler. Os outros nós largamos no meio, porque são “chatos” ou idiotas (…)"

Eu paro de beber quando eu quiser.

Seção: Clichês em discussão
Foi outorgada, no mês de julho de 2008, a chamada lei seca. Segundo ela, qualquer miligrama de álcool detectado pelo etilômetro no sangue de motoristas resultaria penalização ao condutor embriagado. Na ocasião, houve enorme divergência nas opiniões dos brasileiros. Os favoráveis à medida argumentavam que os acidentes automobilísticos poderiam ser minimizados. No entanto, a parcela da população resistente à medida argumentava que os consumidores "sociais" de álcool (aqueles que, teoricamente, sabem seus limites) acabariam pagando caro por um vício que não lhes pertence. Em termos simples: os consumidores ocasionais seriam privados de seu hobby por causa dos beberrões.
Esse último argumento revela total ignorância acerca das complicações que, a longo prazo, o álcool pode acarretar. Da mesma forma como um usuário de maconha começa a consumir a erva em pequenas doses, qualquer um pode se tornar um beberrão mediante o consumo ocasional de álcool. Ora, a dependência química a qualquer droga é engatilhada pelo consumo da mesma em dosagens moderadas. A dependência é, portanto, um processo gradativo que requer um mínimo estímulo inicial para se instalar.
Como delimitar exatamente o ponto que separa o mero “apreciador” de maconha de um forte dependente? E como delimitar o ponto que separa o consumidor social de álcool de um alcoólatra? Esses limites são muito tênues. E não se pode esperar que acidentes automobilísticos ocorram para que alguém seja taxado de infrator. Aí já seria tarde demais.
Fernando Sachetti

Roxette

Seção: Isto é Música
À primeira vista, Roxette pode remeter a um grupo musical formado por vários integrantes. Na realidade, há apenas dois: Marie Fredriksson (vocalista) e Per Gessle (compositor e segunda-voz). A dupla sueca iniciou sua trajetória em 1986 e, desde então, tem sido paradigma de qualidade musical tanto à geração que com eles cresceu quanto às gerações posteriores. É muito improvável encontrar alguém que nunca tenha ouvido sequer um acorde de Roxette. Entre seus maiores hits, figuram as canções Listen to your heart, Dangerous, Spending my time, How do you do!, Joyride, Fading like a flower e Milk and toast and honey. Ufa!
Abaixo, são reproduzidos, respectivamente, os clássicos It must have been love, The look, Vulnerable e Dressed for success. Ainda assim, quatro clipes é pouco para fazer jus à mestria e atemporalidade de Roxette.
texto de Fernando Sachetti








Leia em voz alta: "347ª Zona Eleitoral"

Seção: Língua e Etiqueta
Os numerais compreendem um capítulo da Gramática para o qual pouca atenção se dá. Todavia, o uso indevido dos numerais torna o discurso pobre.
Numeral é toda palavra que indica, graficamente, expressões numéricas. Os numerais cardinais são os que representam quantidade (um, dois, três...); por sua vez, os ordinais – como o próprio nome sugere – são os que representam ordem (primeiro, segundo, terceiro...).
O que comumente se observa é a troca do ordinal pelo cardinal, operação que empobrece absurdamente uma frase. Veja:

Carol prestou vestibular para Engenharia, mas como não se esforçou muito, ficou em vinte e sete na lista. O Ricardo, então, não tem chance alguma de entrar em Medicina; ficou em cento e doze na lista dos candidatos.

Fazendo-se o uso devido dos numerais que indicam ordem (os ordinais), ter-se-ia o seguinte:

Carol prestou vestibular para Engenharia, mas como não se esforçou muito, ficou em vigésimo sétimo na lista. O Ricardo, então, não tem chance alguma de entrar em Medicina; ficou em centésimo décimo segundo lugar na lista dos candidatos.

Mais um caso cotidiano que poderia gerar apuros: como ler as expressões 53ª Delegacia de Polícia ou 347ª Zona Eleitoral? Com o conhecimento dos ordinais adequados, tudo se resolveria fácil e elegantemente:
Quinquagésima terceira Delegacia de Polícia
Trecentésima quadragésima sétima Zona Eleitoral

Mesmo que os numerais ordinais não sejam tão frequentemente usados, seu domínio é um diferencial entre um falante comum e um que zela pela língua. Lembre-se de que são os detalhes que individualizam os seres e os tornam admiráveis.
Fernando Sachetti

Velho Tema, de Vicente de Carvalho

Seção: Isto é Literatura
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim; mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Falou pouco, mas falou bonito.



Sempre me chamou a atenção a beleza dos versos abaixo. São versos extraídos do cancioneiro popular da música brasileira, mas que, apesar de despretensiosos, têm muito a comunicar. Veja:

Estou de volta pro meu aconchego / trazendo na mala bastante saudade – De volta pro aconchego, de Elba Ramalho;
Eu vejo isso por cima de um muro de hipocrisia que insiste em nos rodear – Tempos modernos, de Lulu Santos;
Acho que é bobagem a mania de fingir, negando a intenção – Um certo alguém, de Lulu Santos;
Em mim nada está como é / Tudo é um tremendo esboço de ser – Angústia, de Secos & Molhados;
Você me abre seus braços / e a gente faz um país – Fullgás, de Marina Lima;
Choque entre o azul e o cacho de acácias (...) / A sua coisa é toda tão certa, beleza esperta – Você é linda, de Caetano Veloso;
Não espere eu ir embora pra perceber / que você me adora / que me acha foda – Me adora, de Pitty;
Veja bem, é o amor agitando meu coração / Há um lado carente dizendo que sim / E essa vida da gente gritando que não – Grito de alerta, de Maria Bethânia.
Fernando Sachetti

O Lula é burro!

Seção: Clichês em discussão
Primeiramente, não se deve confundir inteligência com conhecimento formal (aquele adquirido em bancos escolares). Seja lá de onde vem a inteligência, uma coisa é certa: ela não é algo adquirido por meio do pagamento de mensalidades.
Pode até ser que uma coisa esteja ligada à outra. Pode até ser que o conhecimento formal conduza à sapiência. Mas, será que isso é sempre verídico?
Quantas pessoas bem graduadas que você conhece alcançaram sequer a sindicância de um condomínio? E quantas delas, sem graduação alguma, alcançaram a presidência da República?
Fernando Sachetti

Kylie Minogue - foco em dança e figurino

Seção: Isto é Música
Neste vídeo-clipe de fotografia irretocável, a australiana Kylie Minogue prova – definitivamente – que pra ser sensual não é preciso apelar. Ao longo do clipe, Kylie assume uma postura altamente sensual ao fazer uso de figurinos elegantíssimos que remetem ao ballet clássico, mas que também têm um clima de cabaré, mas que também têm uma aura “Julia-Roberts-posando-de-socialite-em-Pretty-Woman”.
Em nenhum momento do clipe abaixo (intitulado Chocolate) há a aparição de chocolates. No entanto, a malemolência dos tecidos com que são confeccionados os vestidos de Kylie e a languidez dos movimentos da cantora exalam um clima derretidamente achocolatado.
Deguste.
texto de Fernando Sachetti




Os verbos "haver" e "fazer"

Seção: Língua e Etiqueta
Certa vez, um site de uma escola de redação anunciava que tal estabelecimento ensinava a seus alunos uma Gramática útil. É fácil de se perceber que está aí implícita a opinião de que há conteúdos gramaticais inúteis. A escolha pelos antônimos útil e inútil, portanto, não foi muito feliz. No entanto, não é complicado de se entender o que o anunciante quis dizer com sua propaganda.
Há na língua portuguesa, certamente, assuntos que são de primeira grandeza (ou de mais valia). A alguém que não é professor de português, saber conjugar verbos corretamente é de muito mais utilidade do que saber o que é uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo não-flexionado.
Um desses conteúdos gramaticais de primeira grandeza é, indiscutivelmente, o conhecimento de certa particularidade dos verbos haver e fazer. Os manuais didáticos postulam que o verbo haver, quando significar (ou puder ser substituído por) existir, é impessoal – o que quer dizer que ele não vai para o plural. Veja:

Houve (=Existiram) várias discussões durante a reunião. (e não Houveram várias discussões)
Havia (= Existiam) vários assuntos pendentes a resolver. (e, não, Haviam vários assuntos)

A propósito dos verbos fazer e haver, a Gramática diz que, quando eles indicarem tempo decorrido, ambos são também impessoais. Observe:

Faz quatro anos que não a vejo. (e não fazem quatro anos)
Amanhã fará cinco dias que ela não fuma. (e não farão cinco dias)
Havia duas semanas que não conversava com o marido. (e não haviam duas semanas)

Significando "existir" ou indicando tempo decorrido, caso os verbos haver e fazer façam parte de uma locução verbal, eles têm o poder de “contaminar” os verbos precedentes com sua impessoalidade. Em outras palavras: nenhum dos verbos deve ser pluralizado; todos devem ser mantidos no singular.
Exemplos:
Antes de eu chegar, deve ter havido (= devem ter existido) muitas discussões.
Deve fazer umas duas horas que eu não me encontro com Pedro.
Os indícios levam a crer que pode ter havido (= podem ter existido) mais de mil casos da doença no país.

Sem dúvida alguma, essas peculiaridades dos verbos haver e fazer devem ter figurado na grade de conteúdos ensinados por aquela escola de redação. Se não o fez, a escola foi falha. Da mesma forma como, em seu carro, um condutor deve trazer um kit primeiros-socorros, um falante de língua portuguesa deve ter, no mínimo, o conhecimento de uma Gramática primeiros-socorros.
Fernando Sachetti

Édipo em Colono, Sófocles

Seção: Isto é Literatura
Desde o momento em que nos abandona
a juventude, levando consigo
a inconsciência fácil dessa idade,
que dor não nos atinge de algum modo?
Que sofrimentos nos serão poupados?
Rixas, rivalidades, mortandade,
lutas, inveja, e como mal dos males
a velhice execrável, impotente,
insociável, inimiga, enfim,
na qual se juntam todas as desditas.
em A Trilogia Tebana, p. 171

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Brasil: ame-o ou deixe-o.

É de dar dó. No coração de metrópoles nacionais, é doloroso ver as dezenas de ambulantes que, ameaçados, amontoam às pressas suas quinquilharias e as levam para não-sei-onde. São produtos piratas que, precariamente expostos no chão sobre lonas, garantem a sobrevivência de milhares de brasileiros que enfrentam sol, chuva, fome, fadiga e o “rapa” (nome vulgar da operação policial que busca conter o comércio pirata).
Enquanto isso, comemorou-se na semana passada o centenário da morte de Euclides da Cunha (autor de Os Sertões). Até aí, tudo bem. O doloroso, no entanto, foi ter de engolir José Sarney fazer um discurso enaltecendo a obra do autor pré-modernista. E eu pergunto: quem é José Sarney para ser o porta-voz do centenário da morte de Euclides da Cunha? E eu mesmo respondo: José Sarney é aquele presidente do Senado cuja roubalheira foi arquivada pelo Conselho de Ética.
Enquanto isso (perdoem-me a repetição), como se não bastassem as injustiças até aqui expostas, foi doloroso ver Vanusa sibilando o Hino Nacional na Assembleia Legislativa de São Paulo. Sibilando. Porque aquilo não foi cantar. E mais uma vez eu pergunto: no cenário da música brasileira, quem é Vanusa para (tentar) interpretar o Hino Nacional? E eu mesmo respondo: Vanusa é um grão de areia perante a grandiosidade vocal e cênica de Maria Bethânia, por exemplo.
Em plena semana da pátria, é doloroso ver este País tão disparatado como está. E faço minhas as palavras de Caetano Veloso para definir o Brasil que se vê: o avesso do avesso do avesso do avesso.

Nada está como deveria ser.
Fernando Sachetti

That I would be good, de Alanis Morissette

Seção: Isto é Música
Canção para ser ouvida todos os dias. Letra completa; melodia serena; voz doce: That I would be good, de Alanis Morissette.


Adjetivos pátrios (ou gentílicos)

Seção: Língua e Etiqueta
O que a Geografia tem a ver com a etiqueta ao falar?
Em primeiro lugar, deve-se reiterar que o Brasil, um país de dimensão continental, é composto por vinte e seis Estados, somados ao Distrito Federal. Dentre eles, cita-se o Rio Grande do Norte (RN) e o Rio Grande do Sul (RS). Talvez por semelhança com essa terminologia do Norte e do Sul, há quem teime em dizer Mato Grosso do Sul (MS) e Mato Grosso do Norte.
Mato Grosso do Norte, no entanto, não é nome de nenhum Estado brasileiro; não é, aliás, Estado de país algum. Aos desavisados, reitera-se que a região Centro-Oeste do Brasil é composta por três Estados, quais são: Goiás (GO), Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (MT). Embora Mato Grosso fique ao norte de Mato Grosso do Sul, seu nome não leva o complemento do Norte.
Em segundo lugar, deve-se deixar de fazer confusão com certos adjetivos pátrios (ou gentílicos). Esses adjetivos são aqueles que indicam a origem geográfica dos cidadãos, sua naturalidade, e alguns deles geram extrema confusão por serem muito semelhantes entre si. Qual a diferença, por exemplo, entre paulista e paulistano? Será que todo paulista é paulistano, ou o inverso é que é o verdadeiro?
Para tanto, veja a lista que segue:

Paulista – nascido no Estado de São Paulo;
Paulistano – nascido na cidade de São Paulo;
Fluminense – nascido no Estado do Rio de Janeiro;
Carioca – nascido na cidade do Rio de Janeiro;
Brasileiro – nascido no Brasil;
Brasiliense – nascido na capital, Brasília;
Goiano – nascido no Estado de Goiás;
Goianiense – nascido na capital, Goiânia;
Londrino – nascido em Londres (Inglaterra);
Londrinense – nascida na cidade de Londrina (Estado do Paraná);
Mato-grossense-do-sul ou Sul-mato-grossense – nascido em Mato Grosso do Sul;
Mato-grossense – nascido em Mato Grosso.
Fernando Sachetti.

Entrevistas com famosos

Seção: Clichês em discussão
O amor de um fã por seu ídolo supera qualquer barreira, até mesmo a barreira do tédio. Isso porque somente muita paciência é capaz de vencer o tédio que permeia as entrevistas com os famosos em revistas e programas de fofoca.
O questionário é sempre o mesmo. Comprove:
° quais são seus projetos para o próximo ano? Ou o que você vai fazer quando a novela acabar?
° dos personagens que você já fez, qual você mais gostou?
° você se importa com os boatos sobre sua vida pessoal?
° como você consegue conciliar a correria da profissão com a vida pessoal?
° qual o segredo para manter este corpinho?
° e como anda o coração?
° há planos de casamento? Filhos à vista?
° o que você tem a dizer sobre a rixa que parece existir entre você e (x)?
Mediante tamanha mesmice, resta saber: os telespectadores se renderam ao molde engessado dos programas de fofoca, ou o molde desses programas engessou a audiência?
De qualquer forma, há de se quebrar o gesso.
Fernando Sachetti

Manuel Bandeira, 1912

Seção: Isto é Literatura
Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

-Eu faço versos como quem morre.