domingo, 30 de agosto de 2009

Içami Tiba e a Biologia - um caso de cumplicidade

Sabe aqueles canais televisivos a que a gente só assiste quando não há outro remédio? Ou melhor, a gente não assiste; a gente passa por eles. Lembra-se daquele canal de leilões cujo único vestígio de humanidade é uma mão exibindo um anel? Pois bem.
Desde minha tenra infância, mamãe já me dizia que um bom remédio pra insônia é assistir a programas chatos. Portanto, numa dessas madrugadas insones, não hesitei em ligar a TV e sintonizar num canal... cujo nome não me lembro. Só sei que passava uma palestra de Içami Tiba.
Para que meu leitor tenha uma noção do quão interessante estava a palestra, Içami Tiba falava sobre piolhos. “Poxa”, pensei, “agora é que eu durmo mesmo”. De repente, Içami começou a falar sobre sapos e soltou: “já que estávamos falando de insetos, não nos esqueçamos dos sapos.”
Ai, ai, ai!
Ora, quem se lembra das aulas de Zoologia do Ensino Médio deve recordar que piolhos são aracnídeos, e que sapos são anfíbios. Infortunado palestrante!
Senti vergonha alheia e fui me remexer na cama.
Vale ressaltar que Içami Tiba é autor de um livro chamado Homem cobra, mulher polvo (pela editora Gente). É: piolho, sapo, cobra, polvo... ele deve entender muito de animais mesmo!
Já diz o velho e bom ditado: em boca fechada não entra mosquito. Ah: esse sim é um inseto.

Fernando Sachetti

Você acredita em saci?

Seção: Clichês em discussão
Existe um refúgio perfeito? Existe um lugar onde todas as pessoas ficam bonitas, parecem intelectuais, arrotam elegância e sempre têm uma resposta engatilhada? Onde se viaja aos montes? Onde as casas são perfeitas? Onde qualquer ruela pode se tornar paisagem digna de ser eternizada numa fotografia? Onde os amigos são sempre os melhores do mundo? Onde não há espaço para tristeza ou solidão? Onde todos se amam e não têm medo de proclamar esse amor?
Esse mundo falso existe e é conhecido como Orkut.
Fernando Sachetti

Substantivos de gênero vacilante

Seção: Língua e Etiqueta

Você conhece algum Darci? Ou melhor seria perguntar se você conhece alguma Darci? Afinal de contas, Darci é um nome próprio para mulheres ou para homens? Em Língua Portuguesa, os nomes próprios terminados em -i suscitam dúvida quanto ao gênero, se masculino ou se feminino. Iraci, Juraci, Delci e Ildeci são apenas alguns exemplos que seguem o mesmo paradigma de Darci.
Tais incertezas no âmbito do gênero dos substantivos não se restringem somente àqueles que são próprios. Substantivos comuns (e não são poucos!) também geram grandes dúvidas se devem ser precedidos pelo artigo definido o ou por a. Na tentativa de amenizar esse problema de troca de gênero - e não de “sexo” - dos substantivos comuns, segue, abaixo, uma lista daqueles que figuram entre os mais problemáticos.
São femininos:
a cal /a omelete / a nuança / a quiche / a acne / a mousse / a couve-flor / a soja / a libido / a echarpe / a patinete / a alface / a matinê / a cedilha
São masculinos:
O abacaxi / o açúcar / o sósia / o cônjuge / o toalete / o ídolo / o matiz / o xérox / o estratagema / o herpes / o aneurisma
Ao final, uma ressalva deve ser feita: numa frase, não é só o artigo (o e a) que deve se moldar ao gênero de um substantivo, mas toda e qualquer palavra que a ele se refira (adjetivos, pronomes, artigos indefinidos e numerais). Observe os vocábulos em itálico abaixo:
A mousse que o chefe preparou está deliciosa!
Tenho tanto dó daqueles que não têm o que comer...
Nossa! esse abacaxi está muito azedo! Troque por outro mais doce.
Minha mãe é meu maior ídolo!
Fernando Sachetti

The Cranberries

Seção: Isto é Música

Abaixo, seguem três sucessos monumentais da banda de rock irlandesa The Cranberries. A voz amaciada de Dolores Mary Eileen O’Riordan Burton (ou simplesmente Dolores, como ficou conhecida) percorre as notas musicais destas canções de um modo absurdamente harmonioso. The Cranberries lançou inúmeros sucessos sobretudo na década de 1990 e anunciou o encerramento de suas atividades em 2003. De toda a discografia, merece destaque o álbum No need to argue (1994), do qual se extraíram os quatro excelentes singles Zombie, Ode to my family, Dreaming my dreams e I can’t be with you.
O público aguarda o retorno da banda. Faz falta...
Fernando Sachetti






Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues

Seção: Isto é Literatura
ALAÍDE - Nem que eu morra, deixarei você em paz!
LÚCIA - Pensa que eu tenho medo de alma do outro mundo?
ALAÍDE - Não brinque, Lúcia! Se eu morrer – não sei se existe vida depois da morte, mas se existir – você vai ver!
LÚCIA - Ver o quê, minha filha?
ALAÍDE - Você não terá um minuto de paz, se casar com Pedro! Eu não deixo – você verá!
LÚCIA - Está tão certa assim de morrer?
ALAÍDE - Não sei! Você e Pedro são capazes de tudo! Eu posso acordar morta e todo o mundo pensar que foi suicídio.
LÚCIA - Quem sabe? Eu mandei você tirar Pedro de mim?
ALAÍDE - Mas que foi que eu fiz, meu Deus?
LÚCIA - Nada!
ALAÍDE - Fiz o que muitas fazem. Tirar um namorado! Quer dizer, uma vaidade... Você, não! Você e Pedro querem-me matar. Isso, sim, é que é crime, não o que eu fiz!
LÚCIA - Mas conquistou Pedro tão mal que ele anda atrás de mim o dia todo!
ALAÍDE - Sabe para onde eu vou agora?
LÚCIA - Não me interessa!
ALAÍDE - E nem digo – minha filha! Vou ter uma aventura! Pecado. Sabe o que é isso? Vou visitar um lugar e que lugar! Maravilhoso! Já fui lá uma vez!
LÚCIA - Imagino!
ALAÍDE - Na última vez que fui, tinha duas mulheres dançando. Mulheres com vestidos longos, de cetim amarelo e cor-de-rosa. Uma vitrola. Olha: querendo, pode dizer a Pedro. Não me incomodo. Até é bom!
LÚCIA - Mentirosa!
(...)
ALAÍDE - Ouça bem. Eu posso morrer cem vezes, mas você não se casará com Pedro.
p. 74/75
Obs.: as indicações cênicas do texto original foram aqui omitidas para economia de espaço.

domingo, 23 de agosto de 2009

Um brinde... à sua inteligência!

Esta seção não pretende muito. A seguinte canção foi aqui transcrita apenas para que o leitor reflita sobre a letra (destaque para os versos em itálico). Reflexão: essa parece ser a distância entre o mundo em que vivemos e aquele pelo qual ansiamos. A distância não é grande, pois.

Blues da piedade
Agora eu vou cantar pros miseráveis
Que vagam pelo mundo, derrotados
Pra essas sementes mal plantadas
Que já nascem com caras de abortadas
Pra pessoas de alma bem pequena
Remoendo pequenos problemas
Querendo sempre aquilo que não têm
Pra quem vê a luz e não ilumina suas mini-certezas
Vive contando dinheiro e não muda quando é lua cheia
Pra quem não sabe amar,
Fica esperando alguém que caiba no seu sonho

Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada
Vamos pedir piedade, Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade, Senhor, piedade
Dê-lhes grandeza e um pouco de coragem
Quero cantar só para as pessoas fracas
Que tão no mundo e perderam a viagem
Quero cantar os blues com o pastor e o bumbo na praça
Vamos pedir piedade
Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade.
Cazuza / Frejat (1988)
E se você é daqueles que só ouvem NX Zero e Fresno, experimente Raul Seixas, Renato Russo e/ou Cazuza. A música brasileira é bem mais rica do que (atualmente) parece.
Fernando Sachetti

Aprenda a ser o que você NÃO é!

Seção: Clichês em discussão
Em tempos de incompetência (como a época em que agora se vive), é notório o inchamento na quantidade de palestras que se prestam a ensinar liderança: Como se tornar líder, Como liderar um grupo e Liderança na crise (dentre tantas outras invencionices) são títulos que vêm inundando outdoors.
Seria divino acreditar que todos os palestrantes que se prestam a isso fossem líderes de fato. O mundo estaria abalroado de líderes. E de líderes benfeitores: afinal, eles estariam passando adiante seu trunfo. Viver-se-ia, pois, num mundo sem egoísmo. E, portanto, ilusório.
Quem faz público para uma palestra desse gênero deveria se dar conta de que, assim como ninguém se torna poeta, ninguém se torna líder. Um poeta nasce poeta. Um líder nasce líder. Um aluno aplicado pode, no máximo, aprender regras de gramática – o que não lhe garante o manejo com versos e métricas. Da mesma forma, quatro horas num anfiteatro e um reles certificado jamais garantirão o dom de liderar.
Fernando Sachetti

... à paz!

Seção: Isto é Literatura
"Acenderam os cigarros e fumaram.
Com o mesmo sossego de espírito... santo Deus! acendem os homens a guerra civil, que altera e confunde por este modo todas as idéias, todos os sentimentos da natureza.”

Viagens na minha terra (p. 135), do poeta português Almeida Garrett

... ao amor!

Seção: Isto é Música
Na edição desta semana, faz-se uma homenagem ao amor – em todas as suas formas.
A primeira canção, Again, é um dos grandes sucessos de Lenny Kravitz. Àqueles para os quais o inglês é empecilho, acredita-se que o enredo do clipe, por si só, já diz muito.
Em seguida, tem-se Muito estranho, na voz de Dalto. Dalto é mais uma daquelas vozes que os anos 1980 testemunharam e que as gerações atuais não tiveram o privilégio de ouvir. Essa canção tem um quê de romantismo místico e erótico. Muito estranho fez parte, inclusive, da trilha sonora da novela global Sol de Verão, de 1982. Com certeza, foi pano de fundo de vários encontros à luz da lua.
E a terceira canção é Espatódea, joia interpretada e composta por Nando Reis. Aqui, celebra-se o amor em sua forma mais pura - Nando Reis a compôs para Zoé, sua filha.
Fernando Sachetti






Seje / Esteje

Seção: Língua e Etiqueta
Há, na Internet, um site muito famoso de relacionamentos que exibe o dia de aniversário de seus usuários. Nessas datas, o aniversariante é bombardeado com votos de felicitação do tipo: Espero que você seje feliz ou Espero que você esteje bem. Votos desse gênero são baseados em possibilidade, em incerteza; se não o fossem, não seriam votos, mas profecias. Logo, as formas verbais em destaque deveriam estar no modo verbal que expressa incerteza – o Subjuntivo. Veja:

VERBO SER
que eu seja
que tu sejas
que ele seja
que nós sejamos
que vós sejais
que eles sejam
VERBO ESTAR
que eu esteja
que tu estejas
que ele esteja
que nós estejamos
que vós estejais
que eles estejam

Pois bem, como se pôde ver, em nenhumas das pessoas conjugadas, viu-se seje ou esteje. Assim, ao se corrigirem as mensagens acima, ter-se-ia: Espero que você seja feliz e Espero que você esteja bem.
É claro que quem recebe um mimo desses, seguindo seu bom senso, não deve corrigir o deslize gramatical. No entanto, o fato é que essas pequeninas frases ficam à disposição de outros usuários do site que facilmente identificam quem as escreveu. Algo um tanto vergonhoso...
Fernando Sachetti

sábado, 15 de agosto de 2009

O Lago dos Cisnes (trecho)

Que se abram as coxias deste blog com ballet!

Boa leitura!

Cadê a chave de resposta?

Aí vão alguns mistérios da mídia:
Afinal de contas, para qual público a Xuxa trabalha?
Francamente, qual é a profissão de Alexandre Frota? E quantas carteiras de trabalho ele já deve ter enchido?
Convenhamos, Wanessa (Camargo) é cantora sertaneja ou não?
Como o cabelo da Angélica perdeu todo aquele volume do começo da carreira?
Jô Soares faz alguma outra coisa além de ler, comer e apresentar seu programa? Alguém já viu fotos dele na Caras ou na Ti ti ti?
Fala sério: quando alguém conseguirá se referir ao Júnior Lima sem dizer o Júnior da Sandy & Júnior?
Alguém faz planos para assistir ao Globo Ecologia aos sábados de manhã?
Alguém consegue imaginar como é o ensaio das bailarinas que dançam Ritmo de Festa no Programa Sílvio Santos?
Será que o Faustão, quando se casou, conseguiu esperar o padre recitar todos os votos matrimoniais sem interrompê-lo?
Será que jogadores de futebol cospem em casa como cospem em campo?
Me tira uma dúvida: de quanto deve ter sido o cachê da Arlete Sales pra fazer a propaganda do Corega Tabs?
Eu preciso saber: será que os big-brothers não sentem vergonha quando começam a frequentar o programa da Luciana Gimenez?
Como não pensaram na Luana Piovani pra fazer o papel do pitboy Zeca, em Caminho da Índias? Seria uma pitgirl...
Qual será o nome do próximo padre pop-star? Isso já está virando tendência...
Alguém, em aproximadamente 30 anos, já viu a Gretchen cantando outras músicas além de Conga Conga Conga e Freak le boom boom?
Solucione minha dúvida: Britney Spears faz playback porque dança ou dança porque faz playback?
Caso alguém tenha o gabarito, por favor, estou na espera!
Fernando Sachetti

Isto é Música - Elis Regina (vive!)

Nada melhor do que celebrar um mês de blog com a voz de Elis Regina. Dispensável seria qualquer comentário que eu fizesse sobre o talento de Elis.
Das três canções abaixo, a primeira talvez seja a mais conhecida – chama-se É com esse que eu vou (composição de Pedro Caetano) e é repertório do álbum simplesmente intitulado Elis, lançado em 1973.
A segunda canção, Oriente, é a primeira faixa também do álbum Elis. Foi composta por Gilberto Gil.
A terceira pérola é um delicioso jazz chamado Velha roupa colorida, composição de Belchior. Foi originalmente trazida no LP Falso Brilhante (1976) e, mais tarde, na compilação O melhor de Elis Regina (1989).
Elis vive!
Fernando Sachetti






Quem perguntou?

Seção: Clichês em discussão
Encontrar famosos caminhando nas orlas das praias cariocas é fato comum. E portar-se num lugar público exige muito comedimento dos famosos. Afinal, se a celebridade não cumprimenta ninguém, ela soa mal-educada; se cumprimenta todo mundo, soa deslumbrada. Sabe aquela “estrela” que oferece um autógrafo sem que ninguém lhe tenha pedido? Pois bem.
O que ocorre no Orkut é algo similar: os usuários se oferecem gratuitamente. É comum encontrar perfis no Orkut com mensagens garrafais do tipo: meu novo celular é (x), ou ainda de férias em (x). Isso sem falar das comunidades como eu uso (nome de uma grife famosa). Ora, se até a Glória Pires pareceria pedante ao oferecer um autógrafo gratuitamente, imagine um usuário anônimo do Orkut que divulga um novo celular sem que ninguém lhe tenha perguntado! Convenhamos: o local onde o Joãozinho passa as férias só interessa a quem se interessa pelo Joãozinho; e a marca de roupa que o Joãozinho veste... não interessa a ninguém.
Em tempos de fácil estrelato (em que créu vende mais que a música de Chico Buarque), todos parecem buscar notoriedade. As pessoas anseiam por serem notadas. No entanto, essa notoriedade oca e pobre acaba desvalorizando quem deveras tem mérito.
A atual valorização do que é medíocre pode ser facilmente provada. Quem aparece mais nas manchetes dos programinhas televisivos de fofoca: a Priscila do BBB ou a Fernanda Montenegro?
Em suma: a auto-exposição gratuita enfraquece o verdadeiro talento. Resta de consolo a certeza de que quem tem o que mostrar de fato, inevitavelmente, acaba sendo notado.
Fernando Sachetti

Quincas Borba, de Machado de Assis (trechos)

Seção: Isto é Literatura
(...) Enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo, mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida. – p. 50

(...), como se o mendigo dissesse ao céu:
- Afinal, não me hás de cair em cima.
E o céu:
- Nem tu me hás de escalar.
– p. 52

(...) Chegou a pensar em retificar o que dissera, logo que estivesse com Sofia, mas reconheceu que a emenda era pior que o soneto e que há bonitos sonetos mentirosos. – p. 89

O uso de "obrigada" e "obrigado"

Seção: Língua e Etiqueta
Em que as mulheres são diferentes dos homens? Em termos anatômicos, a Medicina é capaz de listar inúmeras diferenças entre os sexos. E a Língua Portuguesa também o é; em número reduzido, é verdade.
No âmbito linguístico, mulheres e homens diferem no modo de agradecer. Mulheres devem, sempre, dizer obrigada, e homens devem, sempre, dizer obrigado. Essa é uma das poucas regras gramaticais sem exceção.
O leitor compreenderá isso muito mais eficientemente quando se der conta de que a expressão obrigado é, na verdade, uma redução de eu estou obrigado a você (ou seja, você me fez um favor e, agora, eu me sinto obrigado a lhe retribuir). Quando uma mulher agradece, portanto, ela quer dizer: você me fez um favor e, agora, eu me sinto obrigada a lhe retribuir.
Assim, fica fácil entender que o uso de obrigada e obrigado não depende da pessoa com quem se fala, mas, sim, da pessoa que fala. Portanto, ratifica-se, ainda outra vez que, não obstante a fronteira entre feminino e masculino esteja se estreitando, uma diferença gramatical persiste: mulheres dizem obrigada, e homens dizem obrigado. Sempre!
Quanto à resposta, pode-se optar pelas seguintes fórmulas invariáveis: não há de quê, por nada ou de nada. Recorrendo às formas variáveis, têm-se, ainda, duas outras possibilidades:
- homens podem dizer obrigado a você (ou seja: eu é que estou obrigado a lhe retribuir), e mulheres obrigada a você (eu é que estou obrigada a lhe retribuir);
- ou homens dizem obrigado, eu (isto é: eu é que estou obrigado a lhe retribuir), e mulheres obrigada, eu (eu é que estou obrigada a lhe retribuir).
Fernando Sachetti

domingo, 9 de agosto de 2009

Isto é Música (Amelinha)

A intérprete das canções abaixo atende pelo nome de Amelinha, nome que certamente traz boas lembranças aos que viveram na transição dos anos 1970 para os anos 1980. O primeiro disco (pois é, naquela época, ouvia-se vinil) de Amelinha chamou-se Flor da Paisagem (1977) e, com ele, a cantora recebeu a alcunha de Gal Costa do Ceará. No entanto, a linda voz de Amelinha marcou definitivamente a MPB com a obra de ourivesaria composta por Luiz Ramalho Foi Deus quem fez você, música que abocanhou o segundo lugar durante o MPB-80, festival produzido pela Rede Globo.
Para conhecer uma fagulha do magnífico trabalho dessa grande intérprete, deleite-se com as duas canções abaixo. Vale a pena limpar os ouvidos dos ruídos comerciais que tanto se ouvem nos dias de hoje.

Fernando Sachetti




O mundo fica bem mais divertido...

Quem era criança no início dos anos 1980 cresceu ouvindo Balão Mágico. Em 1986, Xuxa pousou sua nave na Rede Globo e conquistou seus baixinhos. Pouquíssimo tempo mais tarde, vieram Angélica e o Trem da Alegria. No início dos anos 1990, foi a vez de Sandy & Júnior e da turma da TV Colosso.
Polêmicas e intrigas à parte, o fato é que os artistas infantis citados anteriormente bombardearam o cenário musical de então com músicas interessantíssimas. Não pretendo aqui jogar confete sobre este ou aquele intérprete. O que pretendo registrar é que quem foi criança nas décadas de 1980 e 1990 tem uma referência musical. Uma referência musical valiosa e que se extinguiu com a chegada dos anos 2000.
No Brasil, o mercado fonográfico infantil está precário. Na verdade, quase inexistente. Da turma de famosos citados no primeiro parágrafo, o único que persiste num trabalho do gênero (enfrentando inúmeros percalços e críticas cáusticas) é Xuxa. Ao que parece, no entanto, sua linha Xuxa Só para Baixinhos atinge somente o público de 0 a 6 anos de idade.
Ter referências é o ideal, sejam elas boas ou ruins. O problema é quando só há ruins. As crianças do nosso tempo estão sendo (des)amparadas por grupos de funk, Kelly Key e alguns artistas da linha pop-teen (?) internacional (tais como Miley Cyrus). Ressalto: nada tenho contra esses artistas. Agora, é irrefutável que suas músicas não apresentam temática infantil.
A quem culpar por esse desamparo? Às crianças... não, é claro. Aos pais e à Escola... também não. Sei que posso soar lunático, mas creio que falta fomento da própria indústria fonográfica ao filão infantil. A exemplo do que ocorria no passado recente, a partir do momento em que houver estímulo ao consumo de canções infantis, talvez o quadro mude, e as crianças voltem a ser crianças. Por que isso parece tão irreal?
Guardei o ápice saudosista para o final do artigo. Quem não se lembra destes versos clássicos, singelos e infantilmente (!) riquíssimos?

Vem, meu ursinho querido / Meu companheirinho, ursinho Pimpão / Vamos sonhar aventuras / Voar nas alturas da imaginação (...) - Ursinho Pimpão - Balão Mágico


Vou pintar um arco-íris de energia / pra deixar o mundo cheio de alegria / se está feio ou dividido / vai ficar tão colorido / o que vale nessa vida é ser feliz (...) - Arco-íris - Xuxa


O homem bateu em minha porta / E eu abri / Senhoras e senhores, ponha a mão no chão / Senhoras e senhores, pule de um pé só / Senhoras e senhores, dê uma rodadinha / E vá pro olho da rua / Pula, pula, pula, pula, pula, pula sem parar (...) - Pula corda - Trem da Alegria


Sei que ainda sou criança / Tenho muito o que aprender / Mas quero ser criança quando eu crescer (...) / Vamos construir uma ponte em nós! / Vamos construir / Pra ligar seu coração ao meu / Com o amor que existe em nós. - Vamos Construir - Sandy & Júnior


Fernando Sachetti

O casamento é uma instituição falida!

Seção: Clichês em discussão
Muito se fala da falência do matrimônio como resposta às intempestivas relações entre cônjuges que se separam antes mesmo de deixar o altar. Talvez, o que falte ao sucesso dessas relações instantaneamente ceifadas não é o cumprimento de leis instituídas socialmente e cuspidas por um padre durante uma cerimônia. O que parece estar faltando para que relacionamentos vinguem é o cumprimento de uma lei muito mais elementar: a lei do amor.
O ser humano anseia por sempre transmitir uma imagem de plenitude amorosa. No entanto, ninguém precisa se casar (ou assumir qualquer outra relação que antecede o casamento) para exibir à sociedade um atestado de estabilidade. Isso é violar o amor. Mais grave: isso é violar o amor próprio. É se forçar a algo indesejado.
Assim como uma árvore desfalece se suas raízes são frágeis, o matrimônio vai à falência se o amor é débil. Portanto, o casamento só tem se mostrado uma instituição falida porque o amor parece estar em crise.
Fernando Sachetti

Uma lição de cortesia

Seção: Língua e Etiqueta
Pessoas prepotentes são sempre alvo de repulsa pela sociedade. Além disso, acredita-se que a prepotência é uma característica que advém de posturas corporais. Assim, um nariz constantemente empinado pode ser sinal de prepotência. O que pouco se percebe é que ela pode também ser detectada através do modo como as pessoas usam a língua portuguesa.
Linguisticamente, prepotente é aquele indivíduo que sempre se coloca em primeiro lugar. E é claro que isso não é de bom tom. A boa cortesia postula que, numa sucessão de palavras que designem pessoas, o falante deve sempre se referir às outras pessoas antes de se referir a si mesmo. Compare, pois, os diálogos abaixo entre A e B.

Diálogo 1 –
A: Quem passou no vestibular?
B: Eu, Aurélia, Ana e Ricardo. Todos nós estudamos muito!

Diálogo 2 –
A: Quem passou no vestibular?
B: Aurélia, Ana, Ricardo e eu. Todos nós estudamos muito!

O segundo diálogo é muito mais cortês e polido que o primeiro uma vez que seu falante não adotou uma postura prepotente. Na descrição dos nomes de aprovados no vestibular, a referência a si mesmo (por meio do pronome eu) veio por último – atitude extremamente elegante e que não necessitaria de grande esforço para ser percebida.

Mais exemplos:
Ireni e eu iremos à festa.
Quem lhe oferece este jantar somos minha esposa e eu.
Sua professora e eu cremos que você está de parabéns!

Por outro lado, em situações que possam colocar o falante em posição de desvantagem ou desprestígio, o elegante, então, é que ele se coloque em primeiro lugar. Analise:
Eu e minha esposa somos os culpados pela má criação de nosso filho.

Nessa situação, o falante (provavelmente, um marido) divide a culpa com sua esposa; no entanto, ele se coloca elegantemente como primeiro alvo de críticas, caso elas existam. É como se ele dissesse: “Podem culpar minha esposa, mas, antes, culpem a mim.”

Mais exemplos:
Os responsáveis pela falha no sistema fomos eu e minha secretária.
Critiquem a mim e a meu assessor pelo erro; ele não fez nada sozinho.
Fernando Sachetti

O meu desejo

Seção: Isto é Literatura
Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua...
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!

Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus...
Minha boca tem fome só da tua!
Meus olhos têm sede só dos teus!

Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo...

Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, amor, devagarinho,
Até a Morte me levar consigo...

da poetisa portuguesa Florbela Espanca

domingo, 2 de agosto de 2009

Isto é Música (Emma Bunton)

A música do clipe intitula-se Maybe e foi gravada pela ex-Spice Girl Emma Bunton. O clipe, assumidamente, foi inspirado no estilo Bob Fosse. Para os não-amantes da dança, Bob Fosse foi um grande coreógrafo do século XX que criou um estilo próprio de jazz. Suas coreografias sensuais são marcadas pela presença de movimentos simples que ganham força devido à grande quantidade de bailarinos em cena. Também caracterizam seu jazz o uso cênico de acessórios como chapéus-coco, barras e cadeiras. Parabéns à loirinha pop-star!
A título de curiosidade, críticos afirmam que as danças de Michael Jackson bebem da fonte Fosse. Para saber mais sobre o coreógrafo, vale a pena assistir ao filme autobiográfico All that jazz (1979).

Fernando Sachetti

Não compre gato por lebre!

Nas duas semanas anteriores (ver data da publicação desta postagem), escrevi artigos sobre a minissérie Som & Fúria – uma produção global. O presente artigo versará sobre mais um rebento da Rede Globo – desta vez, a novela Caras & Bocas, da autoria de Walcyr Carrasco. Eu peço desculpas ao leitor se pareço cansativo e pretendo, a partir da próxima semana, mudar meu foco. No entanto, por enquanto, as circunstâncias obrigam a que eu pareça repetitivo. Vocês verão: o meu propósito é dos nobres!
Para que o leitor desavisado se situe na trama da atual novela das sete, farei um brevíssimo resumo sobre a teia que envolve os personagens que aqui me interessam: desde o início da atração, Milena (interpretada pela atriz Sheron Menezes) foi uma garota pobre que amava e acreditava no amor cafajeste de Nick (vivido pelo ator Sérgio Marone). Este, um mauricinho acostumado às regalias da vida boa, via em Milena tão somente um objeto que lhe satisfazia a libido. Entretanto, nos últimos capítulos, uma reviravolta agitou a trama, e Milena enriqueceu. Rica, ela contrata um advogado para que este convença Nick a se casar com ela em troca de um alto dote. Mas um detalhe: o advogado deve manter absoluto sigilo quanto à identidade de Milena. O que ela quer é se vingar de Nick e ter certeza, de uma vez por todas, de seu despudor.
Enquanto eu assistia à novela, senti uma espécie de déjà-vu. É como se eu já tivesse tido contato com aquela história anteriormente. E tive. Em poucos instantes, fui transportado, mentalmente, ao enredo de Senhora, livro do autor romântico José de Alencar. Nessa obra, cujos protagonistas são Aurélia Camargo e Fernando Seixas, o enredo é o mesmo de Caras & Bocas: no início, Aurélia é pobre, e Fernando somente se interessa por seus belos contornos. Depois, Aurélia enriquece e contrata um advogado para que este atraia Fernando a um lucrativo casamento arranjado. O advogado, porém, mantém em segredo a identidade da então vingativa Aurélia.
Para encurtar conversa: Walcyr Carrasco está fazendo uso, na novela, de uma ideia que não é originariamente sua. E, pessoalmente, nem de longe eu o condeno por isso. E nem acho que José de Alencar – onde quer que ele esteja – o condenaria. Eu só lamento o fato de que muitos telespectadores pouco letrados, certamente, conferirão o mérito do enredo a Walcyr Carrasco, quando, na verdade, o mérito deveria ser de José de Alencar.
No primeiro parágrafo, eu afirmei que meu propósito com este texto seria nobre. Mas, caso o leitor ainda não tenha se apercebido da minha alfinetada, serei mais direto: leia! É somente com boas leituras que conseguimos “ler” o mundo.
O trocadilho pode não ter sido dos melhores, mas espero ter dado meu recado.
Fernando Sachetti

Ninguém merece segunda-feira!!!

Seção: Clichês em discussão
Uma semana possui sete dias, dos quais cinco são úteis, e dois compreendem o fim de semana. Isto é, dedicam-se alguns dias à labuta, e outros ao descanso. Quando o período de descanso se finda, é hora de retomar o trabalho. E não parece tautológica a expressão tudo começa pelo começo?
Ora, o período de dias úteis deve se iniciar pelo primeiro dia útil – a segunda-feira. Se, por um decreto presidencial, a segunda-feira fosse subtraída do calendário, a terça-feira viria substituí-la. Tal decreto, portanto, não mudaria absolutamente nada; haveria, tão somente, uma troca de nomenclatura.
Pelo que se pode perceber, por mais que se tente retardar a chegada do vilão semanal, ele sempre virá. E, francamente, o vilão desta história não parece ser o primeiro dia útil, mas tudo o que esse primeiro dia traz consigo – o trabalho.
E já que o trabalho é motivo de tanta repulsa, por que não mudá-lo? Aliás, ao invés de trabalho, não seria mais sensato buscar uma ocupação? Afinal, a partir do momento em que se ocupa com algo prazeroso, todos os dias da semana podem ser sábados e domingos.
Fernando Sachetti

A mortandela estrupadora de brócli

Seção: Língua e Etiqueta
Durante uma palestra, que reação esperar de uma plateia que ouve de um orador algo como asterístico ou beneficiente? Alguns ouvintes, mais comedidos, desconfiariam de seus próprios ouvidos. No entanto, perante ouvintes mais exigentes, o infortunado orador cairia automaticamente em descrédito.
Da mesma forma como a roupa errada pode comprometer uma entrevista de emprego e um presente equivocado esmorecer as expectativas de um namoro, uma palavra pronunciada erroneamente tem o poder de rasurar todo um discurso.
Os reais benefícios de um estudo cuidadoso da língua portuguesa só são percebidos pelos indivíduos quando eles deixam a Escola e adentram o mercado de trabalho. Infelizmente. Não se pretende questionar aqui a eficácia dos métodos como o português tem sido tratado e ensinado. Contudo, após anos a fio de estudo da língua nos Ensinos Fundamental e Médio, é lastimável ouvir de universitários e recém-formados alguns deslizes gramaticais indubitavelmente vexatórios.
Desnecessário é dizer que o mercado de trabalho tem se tornado gradativamente mais competitivo. Isso já é lugar comum. O que talvez ainda não o seja é que, de um profissional loquaz e produtivo (e, portanto, ideal), espera-se capacidade de persuasão; para que haja capacidade de persuasão, deve haver clareza na exposição das ideias; para que ideias sejam expostas, far-se-á uso de palavras que as concretizem; e todo esse processo requer, no mínimo, uma boa Ortoépia (parte da Gramática que trata da pronúncia correta das palavras).
Uma vez que são continuadamente mal pronunciados, atente para a ortoépia dos vocábulos a seguir. Para os que podem gerar mais dúvidas quanto ao som, colocou-se entre parênteses um vocábulo mais conhecido, servindo de parâmetro de analogia.
abóbada
advogado
algoz (como arroz)
anteontem
antiquado
asterisco
beneficente
brócolis
bugiganga
cabeçalho
cabeleireiro
cadarço
cérebro
cicrano
coeso (como maestro)
companhia (e não compania)
destro (como crespo)
digladiar
disenteria
empecilho
estupro
gratuito (e não gratuíto)
lóbulo (da orelha)
mendigo
meteorologista / meteorologia
mortadela
obeso (como acesso)
praxe (e não prakse)
privilégio
recorde (como acorde)
reivindicar
relampejar
rubrica
ruim (como xaxim)
sobrancelha
supérfluo
subsídio (como suicídio)
tábua
Fernando Sachetti

Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa

Seção: Isto é Literatura
(...)
Semelhante não foi, quando um homem, Rudugério de Freitas, dos Freitas ruivos da Água-Alimpada, mandou obrigado um filho dele ir matar outro, buscar para matarem, esse outro, que roubou sacrário de ouro da igreja da Abadia. Aí, então, em vez de cumprir o estrito, o irmão combinou com o irmão, os dois vieram e mataram mesmo foi o velho pai deles, distribuído de foiçadas. (...) E enqueriram o cadáver paterno em riba da casa – casinha boa, de telhas, a melhor naquele trecho. Daí, reuniram o gado, que iam levando para distante vender. Mas foram logo pegos. A pegar, a gente ajudou. Assim, prisioneiros nossos. Demos julgamento. Ao que, fosse Medeiro Vaz, enviava imediato os dois para tão razoável forca. Mas porém, o chefe nosso, naquele tempo, já era – o senhor saiba -: Zé Bebelo!
(...)
Os dois irmãos responderam que tinham executado aquilo em padroeiragem à Virgem, para a Nossa Senhora em adiantado remitir o pecado que iam obrar, e obraram dito e feito. Tudo que Zé Bebelo se entesou sério, em pufo, empolo, mas sem rugas em testa, eu prestes vi que ele estava se rindo por de dentro. Tal, tal, disse: - “Santíssima Virgem...” E o pessoal todo tirou os chapéus, em alto respeito. – “Pois, se ela perdoa ou não, eu não sei. Mas eu perdôo, em nome dela – a Puríssima, Nossa Mãe!” – Zé Bebelo decretou. – “O pai não queria matar? Pois então, morreu – dá na mesma. Absolvo! (...) – “Perdoar é sempre o justo e certo...” – pirlimpim, pimpão. Mas, como os dois irmãos careciam de algum castigo, ele requisitou para o nosso bando aquela gorda boiada, a qual pronto revendemos, embolsamos. E desse caso derivaram também uma boa cantiga violeira.
– p. 91/92